terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Subversão da existência

Levanto-me pela manhã com um incômodo incompreensível. É um sentimento sufocante, que parece ser impulsionado por um furor impetuoso, mas efêmero. Pois em poucas horas a rotina me faz esquecer daquela erupção nervosa ao nascer do sol. Entretanto, a mesma rotina que parece ter enterrado o incômodo matinal é a mesma que o ressuscita ao meio-dia. Na verdade, o incômodo parece se comportar como uma necessidade lancinante de alguma coisa. Não é nada físico, mas puramente mental, emocional, espiritual. É uma necessidade irascível e crescente. A existência humana, repentinamente, me é estranha, bizarra e externa. Então comporto-me como um observador invisível: analiso as coisas como se não fizesse parte delas, e as pessoas como se fossem seres que não são semelhantes a mim. Já que sou incapaz de pertencer à esta existência humana, então tento subvertê-la mentalmente. É nessa hora que um sentimento lânguido assalta a minha existência. Um desânimo de quem parece ter vivido muito, mas na verdade carrega no corpo e na alma apenas um pressentir da experiência passada, um registro outrora esquecido de uma existência antiga e obscura. É como se recordasse de memórias que nunca tive ou participado de eventos em que nunca estive. Sinto-me humano e desumano no mesmo instante e pareço me distanciar ainda mais do entendimento da existência humana. Até que o crepúsculo assoma no céu e me traz uma conclusão inesperada, mas óbvia. A existência humana é iniciada e destruída por dois momentos singulares: o nascer e o morrer. Em vida, é impossível subvertê-la. Ah, que tristeza saber que a libertação do corpo e dos sentidos só se dará na morte! No entanto, há sim uma coisa capaz de se desvencilhar da existência humana, mesmo que de maneira muito momentânea e fugaz e que coloca o homem acima da realidade palpável. A imaginação. Ela é o ópio do sofrimento, o remédio para a eterna agonia catalisada pela existência. Ela é a completa oposição da realidade, a ignorância que traz uma felicidade infantil. É nela que podemos viver uma ficção que parece mais verdadeira do que qualquer existência humana. Porque o viver humano físico e temporal é pobre, rude e deprimente. Mas o imaginar humano é surreal, lindo e vívido. É nesse mentiroso, mas belo modo de encarar a existência (não vivendo-a, mas ficcionando-a) que consigo receber a luz pálida do luar com um sentimento solitário e esperançoso de que o amanhã pode ser um pouco melhor do que o hoje.

4 comentários:

Luara Quaresma disse...

Como é bom ler voce, intensamente bom :)

Felipe Moraes disse...

Ahh, obrigado.

É um prazer também poder ler seus textos. :)

... disse...

esse povo tá tomando kafka na veia ou tomando com toddy?

Felipe Moraes disse...

O engraçado é que faz um tempo que não visito Kafka...