segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Stálin vê televisão capitalista

IVÂNIA

O emprego que Ivânia conseguiu na cidade grande paga o suficiente para que ela possa manter uma vida sem luxos e enviar um dinheiro para os pais. Além de sentir muita falta da família e dos amigos que ficaram no interior, Ivânia tem dificuldade em fazer novas amizades. No trabalho, só no segundo mês foi se juntar aos colegas na hora do lanche. E assim mesmo porque, a pedido do rh, o grupo veio convidá-la. Até hoje a maioria ainda a chama de Ivone ou, simplesmente, não a chama. Ela fica quieta assistindo a conversas, ou rindo quando a situação exige. Certa vez abriu a boca para dizer alguma coisa, mas desistiu. Como não tem amigos na cidade, Ivânia passa quase todo o tempo livre em casa, assistindo tevê ou lendo a coleção de Seleções que sua avó lhe deixou. Numa determinada noite, ouviu um ruído estranho vindo do armário. Ao checar, descobriu alguém acomodado lá dentro. Stálin. Aquele. Por alguns segundos os dois trocaram olhares. Perturbada, Ivânia fechou as portas e decidiu se deitar. De manhã, ela abriu o armário e ele continuava lá, olhando-a. Ela fisgou uma peça de roupa e fechou a porta rapidamente. O encontro se repetiu toda vez que Ivânia voltou ao armário. A vida seguiu assim até o dia em que ela abriu o armário e se sentou na cama. Os dois dividiram um silêncio longo e profundo. Desde então, Ivânia passou a ler sentada na cama, de frente para o armário aberto. Resolveu até trazer a televisão para o quarto e posicioná-la de maneira que os dois pudessem assistir. Certa noite ela colocou um prato de estrogonofe dentro do armário. Achou que seria uma delicadeza.

Revista
piauí, número 34, página 66, Qu4tro Figuras (e mais 2), por Nuno Manna.

Mas a cópia foi feita via edição digital da revista, mediante apresentação de login e senha.

Bem, se o que acabei de fazer foi pirataria, me desculpem, pingüins. (Para sacar a piada interna, vá ler piauí.)

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