domingo, 20 de setembro de 2009

Deixe-me dormir

(Leia o texto tendo ao fundo Filmore Jive, do Pavement)

Era um daqueles dias comuns e frígidos, em que você acorda com uma sensação intangível de cansaço - ou de velhice precoce. Ele não saberia descrever com precisão. Duas ou três olhadas no espelho e o relógio já sinalizava que era hora de ir. Ônibus rotineiro, paisagem rotineira e soneca rotineira. O que não lhe pareceu nada repetitivo após despertar era aquela mulher de cabelo longo e escuro, óculos quase imperceptíveis e olhar absorto, insólito. Veio-lhe um conforto inesperado, como se ela a ele pertencesse. Só veio a entender tal sentimento quando, de um golpe, percebeu que a mulher era um amor antigo; ela já fora dele um dia e ele, dela. Sentiu as bochechas ruborizarem e um estremecimento desceu-lhe até as pernas. Dois minutos após aquele torpor, entreviu a moça lenvantar-se indiferentemente, sem nem mesmo dirigir-lhe um olhar de reconhecimento. O homem que acordou com uma sensação de velhice precoce morrera ali mesmo, naquele assento de ônibus frio e pálido. Do dia subsequente em diante, acordaria sem nem mesmo ter cerrado os olhos na noite anterior.

2 comentários:

Tiago Moralles disse...

Uma coletiva viagem apaixonante.

Felipe Moraes disse...

Opa, brigado pelo comentário, Tiago!