
Eis que Almas Gêmeas, filme debutante de Kate Winslet (sim, à esquerda), a minha favorita de sempre, é um poderoso drama feminino, de conteúdo audacioso e técnica magistral. Winslet é Juliet, que sai com seus pais da Inglaterra para morar na Nova Zelândia. Lá, conhece Pauline (Melanie Lynskey) e logo faz amizade com essa garota misteriosa, isolada e emburrada. Juliet Hulme é o oposto: é fantasiosa, libertária, muito diferente das outras garotas de 14, 15 anos com as quais ela troca olhares indiferentes todos os dias; é um comportamento meio intelectual, talvez herdado do pai, um acadêmico respeitado, mas que se parece mais com uma paixão pela arte, pelo belo e pelo humano.
Pauline também tem um quê de subversão adolescente, mas é recatada, caminha com a fronte cerrada, cabelos descuidados e lábios fortemente comprimidos. As diferenças são extremas, mas há uma afinidade, uma conexão incompreensível que as liga por meio de um laço abstrato, imaginário. Espiritual, talvez.
Juliet é filha única, de um pai intelectual, renomado na esfera acadêmica, com um rosto que transmite um ar levemente frio e compreensivo, conformado. A mãe é psicóloga, jovem, e dona de um sorriso afetado. Pauline tem pais tradicionais, família tradicional, sem poucos requintes. A mãe, porém, é excessiva, paranóica e sufocante. A filha, por sua vez, reserva sentimentos pouco amorosos para com ela.
A amizade entre as duas garotas é doentia, segundo os pais. E há qualquer coisa de homossexualismo que incomoda a todos. É década de 50 e comportamentos assim são analisados sob uma visão arcaica, preconceituosa, apoiada por uma ciência imatura e um puritanismo hipócrita e maniqueísta. Pauline e Juliet, porém, parecem estar contidas uma na outra, numa amizade meio Thelma & Louise (e essa é, indubitavelmente, a dupla feminina definitiva do cinema ianque): no lugar do calor acachapante do oeste americano e do Thunderbird conversível 1966, o "quarto mundo", em que vivem Pauline, Juliet e uma dúzia de personagens por elas inventados, em um romance de produção febril.
O filme, diga-se, pela inventividade e habilidade de Peter Jackson, tanto na construção de um drama misterioso quanto na recriação do "quarto mundo" e pelas atuações convincentes de Winslet e Lynskey (o elenco de apoio também é muito correto), é corajosamente belo, poderoso e exala uma sensibilidade detalhista e sutil, marca de Jackson na trilogia fantástica de Tolkien.
2 comentários:
Adorei a análise Felipe. Bem agradável nos detalhes que chamam o leitor para o texto. Muito bom.
Grato pelo elogio, Jaime.
E, se puder, assista ao filme.
É ótimo.
;D
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