quinta-feira, 9 de julho de 2009

Um Peter Jackson novo, mas já visionário

Em recesso da relativizada (e rechaçada) faculdade de Jornalismo e recém-saído do estágio em "comunicação empresarial" (cacilda, como tenho medo disso!), encontro-me livre para ver alguns filmes. Na última semana, garimpando de alguns sites de cinema alguma coisa digna de download, esbarro em Heavenly Creatures (Almas Gêmeas), de 1994, dirigido por Peter Jackson e roteirizado a quatro mãos com Fran Walsh, parceiro de script também na trilogia de O Senhor dos Anéis, em King Kong e no aguardadíssimo O Hobbit (e em mais uma leva de filmes desconhecidos de P.J.).

Eis que Almas Gêmeas, filme debutante de Kate Winslet (sim, à esquerda), a minha favorita de sempre, é um poderoso drama feminino, de conteúdo audacioso e técnica magistral. Winslet é Juliet, que sai com seus pais da Inglaterra para morar na Nova Zelândia. Lá, conhece Pauline (Melanie Lynskey) e logo faz amizade com essa garota misteriosa, isolada e emburrada. Juliet Hulme é o oposto: é fantasiosa, libertária, muito diferente das outras garotas de 14, 15 anos com as quais ela troca olhares indiferentes todos os dias; é um comportamento meio intelectual, talvez herdado do pai, um acadêmico respeitado, mas que se parece mais com uma paixão pela arte, pelo belo e pelo humano.

Pauline também tem um quê de subversão adolescente, mas é recatada, caminha com a fronte cerrada, cabelos descuidados e lábios fortemente comprimidos. As diferenças são extremas, mas há uma afinidade, uma conexão incompreensível que as liga por meio de um laço abstrato, imaginário. Espiritual, talvez.

Juliet é filha única, de um pai intelectual, renomado na esfera acadêmica, com um rosto que transmite um ar levemente frio e compreensivo, conformado. A mãe é psicóloga, jovem, e dona de um sorriso afetado. Pauline tem pais tradicionais, família tradicional, sem poucos requintes. A mãe, porém, é excessiva, paranóica e sufocante. A filha, por sua vez, reserva sentimentos pouco amorosos para com ela.

A amizade entre as duas garotas é doentia, segundo os pais. E há qualquer coisa de homossexualismo que incomoda a todos. É década de 50 e comportamentos assim são analisados sob uma visão arcaica, preconceituosa, apoiada por uma ciência imatura e um puritanismo hipócrita e maniqueísta. Pauline e Juliet, porém, parecem estar contidas uma na outra, numa amizade meio Thelma & Louise
(e essa é, indubitavelmente, a dupla feminina definitiva do cinema ianque): no lugar do calor acachapante do oeste americano e do Thunderbird conversível 1966, o "quarto mundo", em que vivem Pauline, Juliet e uma dúzia de personagens por elas inventados, em um romance de produção febril.

O filme, diga-se, pela inventividade e habilidade de Peter Jackson, tanto na construção de um drama misterioso quanto na recriação do "quarto mundo" e pelas atuações convincentes de Winslet e Lynskey (o elenco de apoio também é muito correto), é corajosamente belo, poderoso e exala uma sensibilidade detalhista e sutil, marca de Jackson na trilogia fantástica de Tolkien.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei a análise Felipe. Bem agradável nos detalhes que chamam o leitor para o texto. Muito bom.

Felipe Moraes disse...

Grato pelo elogio, Jaime.

E, se puder, assista ao filme.
É ótimo.

;D